15 Posfácio
Versão 0.0.1 - 18/10/2024
Impressionante reler tudo isso depois de tantas ressacas, pandemias, podremias e demais pestilências.
Infelizmente parece que esses textos envelheceram muito bem: é assustador como anteciparam o que hoje testemunhamos. Tenho a sensação de que este debate está ao menos 10 anos defasado. Como se ainda estivéssemos na mesma espécie de impasse entre inovação e controle.
Parece que este segmento do debate geral parou, tanto na análise conjuntural quanto nas alternativas. Como se a crítica, e em especial, a auto-crítica, doesse demais e enfraquecesse as lutas a tal ponto que seria melhor desconsiderá-la, esquecê-la ou até rechaçá-la. Num temor de que ela expusesse nossos problemas, dando munição para os oponentes. Talvez a agenda aqui tratada não seja considerada prioritária, sendo facilmente cedida como parte de barganhas ou negociações. Ou pior: se, de tanta desgraça ocorrida nos últimos anos, não houvesse nem tempo nem ânimo para a análise.
Talvez o espaço da crítica seja sempre maldito: ousa dizer o que incomoda até nos momentos de otimismo, sendo quase que um estraga-prazer de quem se maravilha com as possibilidades emancipatórias dos novos tempos.
Do otimismo dos anos 2000, veio a avalanche autoritária impulsionada também pelas novas “plataformas” na internet, após a empolgação das primaveras árabe, brasileira, espanhola, estado-unidense etc.
As apropriações não são novas. Não remontam apenas aos anos 2000, muito menos aos anos 60. Trata-se de um fenômeno adaptativo dos sistemas opressores, de acomodarem, se apropriarem e reprimirem o resto das lutas e demandas sociais248.
Acreditar que esse fenômeno é inescapável, e portanto não há o que fazer, é declarar a derrota antes de tentar a mudança.
A ação sempre trará o risco da apropriação das inovações pelos oponentes. Daí ser preciso adotar, à moda de Gramsci249, um certo pessimismo do pensamento – para considerar e se preparar para o que pode dar errado, incluindo os efeitos colaterais de ações que consideramos boas – mas juntamente com um otimismo da vontade – que nos impele a agir. Algo que é resumido no ditame “torça pelo melhor, mas se prepare para o pior”.
Isso dialoga com outra lição dos tempos, desta vez a ponderação de Malatesta sobre a organização feita a partir do que temos e sabemos hoje250, ressoando com o reconhecimento de que o “tigre real” jamais ser páreo para o “tigre de papel”251, ou seja, que o plano que temos hoje provavelmente não é melhor que o plano que teremos amanhã, mas não podemos agir com o plano que somente será concebido no futuro. A necessidade de protocolos organizativos também continua mais atual do que nunca, e aquele apresentado neste volume pode incentivar a criação de outros, melhores ou mais sintonizados ao tempo atual.
Este volume saravento apresentou tanto análises críticas, mais pessimistas e ainda hoje muito válidas, como perpectivas ainda possíveis e mais otimistas de organização e comunicação.
Nos próximos volumes do Projeto Vertigem, a retroperspectiva continua.
O Editor
References
Recentemente, com a ascenção de uma enorme onda neoconservadora, as apropriações atingiram um outro patamar, da própria radicalidade: ser “anti-sistema” virou também discurso de setores da direita, que roubou uma série de pautas históricas da esquerda, repaginando-as dentro dos moldes conservadores e neutralizando potencias emancipatórios. A direita de hoje parece ler e aplicar Gramsci mais do que a esquerda. Deram um nó cognitivo no campo político-ideológico.↩︎
Do livro “O mítico homem-mês” – Brooks Jr. (1975); Brooks Jr. (2009) –, que de certa maneira antecipa Raymond (2001) e trata dos obstáculos enfrentados por equipes de projetos (de software) para evitarem serem tragadas pelo “poço de alcatrão” histórico.↩︎