9 Em busca do inapropriável
Versão 0.0.1 - 09/11/2024143
Até agora lidamos basicamente com a constatação de que inúmeras atividades anteriormente relacionadas ao tempo livre das pessoas ou mesmo à suas tentativas de emancipação e mudança da estrutura social acabaram por serem apropriadas pela cadeia produtiva do sistema capitalista.
O desenvolvimento dos sistemas digitais e sua democratização foram fundamentais para o estabelecimento de uma nova sociedade do controle. Mesmo movimentos que utilizaram tais sistemas em suas lutas acabaram também contribuindo não exatamente para o controle, mas para a redução da margem de indeterminação, para a absorção do descontrole144. Não que isso invalide ou signifique a derrota de suas lutas, mas apenas mostra a capacidade do sistema capitalista de incentivar a absorção de tudo que ainda não é seu, de tudo que ainda nele não está145:
The brief moments when the path of industrial development itself is at stake we call industrial divides. At such moments, social conflicts of the most apparently unrelated kinds determine the direction of technological development for the following decades. Although industrialists, workers, politicians and intellectuals may only be dimly aware that they face technological choices, the actions that they take shape economic institutions for long into the future. Industrial divides are therefore the backdrop or frame for subsequent regulation crises.
Em outras palavras, se o capitalismo passa por crises e dentro delas surgem movimentos de contestação, suas revindicações e os conflitos sociais gerados contribuem na determinação do desenvolvimento tecnológico do período subseqüente. Foi dessa forma que a indústria resolveu inúmeros conflitos sociais originados nas fábricas até o final dos anos 70 com a mudança de paradigma para produção organizada e distribuída ao redor do globo, num complexo sistema de logística onde cada mercadoria pode ter sua cadeia produtiva espalhada por vários países. Com o meio de produção pulverizado ao redor do mundo e com as sucursais distantes milhares de quilômetros de suas sedes, o movimento operário caiu numa crise de inviabilização de sua luta 146:
Autonomist marxism sees the struggle of the working class as the driver of capitalist development. In the ’70s capital started to attack the concentrations of working class power that some have called the mass worker. It attacked on three fronts. It started to break up the rigidities imposed on production by working class militancy using technology to de-skill the workers and reconfigure the factory layout. It started to relocate some productive capacity to smaller sites, sub-contracting the work to other companies. And it used the state to impose crisis upon the working class. It was largely successful in its project and as the ’80s developed, defeat followed defeat for the working class. A political composition forged in battle was dismantled and discarded. It seems to this old car industry worker that it wasn’t only capital that discarded us but that quite a number of communist intellectuals turned their backs on us, too. The consequence is that now we have a generation of anti-capitalists who don’t know how to engage with the working class. Despite being surrounded by the class they seem more interested in what goes on in the Mexican jungle, or prefer to go to Genoa and Seattle and give the state machine an opportunity to practice crowd control.
A distribuição global, portanto, não é apenas uma expansão de uma indústria em busca de mão-de-obra e matéria-prima mais barata e disponível ou mercado consumidor emergente, mas principalmente uma neutralização das lutas sociais empreendidas pelos trabalhadores das fábricas147:
Geographical dispersal and global coordination of manufacturing, just-in-time production and containerized delivery systems, a generalized acceleration of consumption cycles, and a flight of overaccumulated capital into the lightning-fast financial sphere, whose movements are at once reflected and stimulated by the equally swift evolution of global media: these are among the major features of the flexible accumulation regime as it has developed since the late 1970s. David Harvey, like most Marxist theorists, sees this transnational redeployment of capital as a reaction to social struggles, which increasingly tended to limit the levels of resource and labor exploitation possible within nationally regulated space. A similar kind of reasoning is used, on the other end of the political spectrum, by the business analysts Piore and Sabel when they claim that “social conflicts of the most apparently unrelated kinds determine the course of technological development” at the moment of an industrial divide. But it is, I think, only Boltanski and Chiapello’s analytical division of the resistance movements of the sixties into the two strands of artistic and social critique that finally allows us to understand the precise aesthetic and communicational forms generated by capitalism’s recuperation of - and from - the democratic turmoil of the 1960s.
Da mesma forma como o empacotamento e a adaptação da marinha mercante para o sistema de contâiners implicou num barateamento e em maior disponibilidade e acessibilidade de mercadorias produzidas em países distantes, ela também implicou em maiores possibilidades de controle da produção e do transporte. Tal mudança se realizou juntamente com o desenvolvimento da informática e principalmente o das redes de dados148.
9.1 A natureza da inovação
Vista sob um ponto de vista ligeiramente diferente, tais adaptações do sistema capitalista podem ser entendidas como inovações.
Definamos inovação como sendo o descontrole controlado. A parte do descontrole que puder ser identificada, isolada e controlada será portanto uma inovação. Inovação é descontrole controlado justamente porque o novo surge apenas no descontrole. Trazê-lo para dentro é inovar.
É notório que as grandes idéias surgem através da tensão/distensão entre controle e descontrole. Inúmeros/as149 pesquisadores mencionam que solucionam seus problemas da seguinte maneira: passam por períodos de estudo e concentração extrema (isto é, controle e disciplinalização do corpo e da mente), durante os quais se debruçam sobre determinados problema e tentam compreendê-los [e] resolvê-los de diversos métodos. Nem sempre isso funciona e em geral os grandes insights só surgem apenas nos momentos de descontração (descontrole e indisciplina do corpo e da mente) após os períodos de estudo disciplinarizado.150 Da mesma forma como ocorre com uma pessoa adepta desse tipo de regime de inovação, o surgimento e a captura do novo pelo capitalismo possui a mesma natureza de tensionamento/distensionamento entre controle e descontrole.
Enquanto o novo não representa ameaça, o capitalismo dele extrai produtividade ao transformá-lo em inovação. Quando, ao contrário, ele se torna ameaça, os mesmos sistemas e bancos de dados que permitem as inovações podem ser usadas para promover a repressão e a supressão do que é novo e ameaçador.
Nem sempre o capitalismo encoraja o descontrole e portanto o surgimento do novo. Em geral ele não tem tal cognição. Empresários e investidores dificilmente enxergam racionalmente que o fomento de descontroles localizados podem implicar em inovação. Muito pelo contrário: a lógica de livre mercado trabalha no sentido de cada pessoa adquirir cada vez mais controle dos processos sociais. O descontrole social surge como subproduto das iniciativas do próprio controle social.
Consequência imediata desta discussão é que as inovações obtidas sempre serão incógnitas, já que é da natureza do novo ser imprevisível. Apesar disso, mesmo que o capitalismo jamais consiga prever suas mudanças, em geral delas ele sempre consegue tirar proveito, ou seja, extrair produtividade.
9.2 Centros e periferias
O sistema capitalista possui uma tendência inerente, devido à centralização e cartelização, de produzir uma relação centro-inclusão versus periferia-marginalidade. O centro, incluído completamente na dinâmica do sistema, é extremamente controlável, enquanto que na periferia prospera o descontrole do sistema, isto é, onde governos e iniciativa privada não conseguem controlar completamente a dinâmica social.
Já em Marx vemos151 a dinâmica da inovação em sua forma embrionária, durante o início da era industrial. Ao discutir economias no processo de produção industrial/capitalista por meio de invenções, Marx inclui a novidade, a criação e um nascente departamento de P&D como importantes fatores na redução de custos152:
é a experiência do trabalhador coletivo que descobre e mostra onde e como economizar, como pôr em prática, da maneira mais simples, as descobertas já feitas, quais as dificuldades práticas a vencer, etc. na aplicação, no emprego da teoria ao processo de produção.
Importa distinguir, observemos incidentalmente, entre trabalho universal e trabalho coletivo. Ambos tem função no processo de produção, ambos se entrelaçam, mas, ao mesmo tempo se distinguem. Trabalho universal é todo trabalho científico, toda descoberta, toda invenção. É condição dele, além da cooperação com os vivos, a utilização dos trabalhos dos antecessores. […]
O que dissemos comprova-se também com o que freqüentemente se observa: (1) a enorme diferença entre o custo de fabricação do protótipo de uma máquina e o de sua reprodução […]; (2) os custos muito maiores com que funciona um estabelecimento industrial baseado em invenções novas, comparados com os dos estabelecimentos posteriores surgidos sobre a ruína, sobre a caveira dele. Isso vai ao ponto de os primeiros empresários, em regra, falirem e só prosperarem os posteriores, a cujas mãos chegam, mais baratos, os edifícios, maquinaria etc. Por isso, em regra, são os mais inertes e os mais abomináveis capitalistas financeiros que tiram o lucro maior do trabalho universal do espírito humano e de sua aplicação social através do trabalho coletivo.
Como um sistema termodinâmico que mantém sua coesão através do despejo de entropia para suas margens, da mesma forma o capitalismo mantém sua estabilidade dinâmica pela “excreção de descontrole” para as periferias do sistema.
A globalização, caracterizada pela existência de periferias inclusive muito próximas dos centros de controle, acaba por agir com mais eficiência nesse processo: havendo bolsões de descontrole próximos aos centros de controle, o descarte de entropia/descontrole é mais eficiente e permite que os centros de controle mantenham sua coesão e seu funcionamento (e portanto sua resiliência) com maior facilidade. Da mesma forma, recebendo descontrole com maior eficiência, tais periferias tendem a produzir muito mais novidades e, estando próximas dos centros de controle, a transformação de descontrole de volta a controle (com o devido aumento da entropia total) é também mais eficiente.153
Tais processos de reapropriação do descontrole na forma de mais controle são projetos políticos tão perigosos quanto, por exemplo, a política de gentrificação do centro da cidade e até caminham num mesmo sentido: expulsa-se as pessoas para as periferias, para as zonas menos controladas, e depois extrai-se das periferias os objetos culturais que só puderam florescer pela ausência de controle.
É assim que a periferia é útil ao centro do sistema, atuando em certo sentido como os depósitos de lixo e aterros sanitários das cidades, com a incrível diferença que, apesar de ser a destinatária do desprezo do sistema capitalista, a periferia ainda tem a capacidade de transformar os resíduos recebidos em configurações novas154.
É por isso que em geral as inovações culturais das metrópoles surgem nas suas periferias155. Não se pode também deixar de mencionar que tal configuração, da mesma forma que é eficiente para a captura do novo, também é extremamente perigoso aos centros de controle: estando a periferia deles muito próxima, os descontroles também podem muito facilmente desestabilizar a lógica do sistema no caso de um refluxo.
Movimentos de luta social tendem em geral (o que não é uma regra e sim apenas uma tendência) a surgir nas periferias e onde o controle sobre a sociedade não adquire níveis nocivos às novidades, sendo tais movimentos também passíveis de participar da lógica controle gerando descontrole que por sua vez gera a calibração do controle, como veremos a seguir.
Note que156 não estamos aqui afirmando que toda a inovação da sociedade ocorre nas periferias do sistema. A inovação ocorre na tensão/distensão entre controle e descontrole. A inovação tecnocientífica ocorre na academia e nos centros de pesquisa com uma determinada configuração de tensão/distensão entre controle e descontrole, enquanto que grande parte das inovações sociais, artísticas e culturais ocorrem nas periferias do sistema. Melhor: talvez seja bom precisarmos essas diferenças. Nos departamentos de P&D (pesquisa e desenvolvimento) ou mesmo nos laboratórios científicos, o método utilizado em geral é o científico tradicional: um arranjo experimental é montado de forma que todos os fatores ambientais possam ser controlados enquanto um ou poucos parâmetos são deixados em descontrole (os ditos graus de liberdade de um sistema). Varia-se então um dos parâmetros de controle e verifica-se a variação obtida nos parâmetros livres a fim de obter uma relação entre ambos. A descoberta de tal relação é um dado novo. Já o método da inovação aberta (Open Innovation) consiste em inovar a partir do novo já existente no ambiente externo ao departamento de pesquisa e, por isso, utiliza o método de prospecção: detectar onde está o novo e então sugá-lo para dentro do departamento. A diferença das duas abordagens é explícita: enquanto o método tradicional se firma no máximo de controle das condições ambientais para obter um mínimo de informação nova com o aproveitamento máximo dessa informação, a prospecção se insere num ambiente de total descontrole, onde a quantidade de informação nova é maior mas seu aproveitamento (aquilo que pode ser inovado) é menor. De modo que o desafio de extrair lucro a partir da inovação aberta hoje é muito maior e mais promissor, mesmo porque o método tradicional já se aproxima de seus limites quanto à possibilidade de inovar na sociedade de consumo: as respostas sobre como vender mais em certo sentido são encontradas mais facilmente nas ruas do que nos laboratórios. Fomentar o descontrole, por outro lado, é arriscado principalmente porque o novo que dele surge nem sempre atende a forma desejadas; em outras palavras, a inovação é sempre traiçoeira: se se deseja impor formas gerais ao novo antes que ele surja, este já não será tão novo assim pois estará enquadrado segundo formas velhas; ao contrário, deixar que o novo surja sem impor restrições é perigoso pelas consequências inesperadas e nem sempre benéficas a quem inova. Corolário da dialógica do controle/descontrole é que toda inovação também acarreta descontroles a partir do seu uso. De modo que o processo de inovação sempre coloca a pesquisa numa encruzilhada e a obriga a uma dinâmica de inovação perpétua: inovar sempre para aumentar os lucros e reduzir os prejuízos provenientes das inovações anteriores.
Também não devemos157 nutrir a idéia de que toda a novidade gera uma inovação. Muito pelo contrário: o próprio discurso de busca por inovação revela que passamos justamente por uma crise de inovação158: o novo surge mas não se sabe exatamente o quê ou como fazer com ele. Assim, muito do que é novo permanece como ruído, e não como inovação, como veremos adiante. É portanto paradoxal uma sociedade onde se busque cada vez o mais a monotonia (a rotina da vida do executivo, por exemplo) ao mesmo tempo que o mantra corporativo seja o da busca pela novidade.
Hoje o alto executivo159 se espelha pela eficiência da economia informal, que preencheu nichos onde as grandes empresas nem sempre conseguem ocupar: um camelô que vende coca-cola pode ser entendido como um empregado informal da empresa, mas um vendedor de dvd “pirata” ou um ambulante que passa carga roubada no ônibus no máximo fazem marketing para as empresas e reproduzem discursos hegemônicos, pois de resto promovem prejuízos. Por isso, é no circuito do tecnobrega, das bandas de garagem, dos marreteiros e biscates que o chamado Open Business busca estratégias de penetração no mercado.
Está indicado também160 que os sintomas desse processo não estão apenas no Open Business: por exemplo, no Brasil, o professor da Universidade de Brasilia Carlos Lessa foi muito irônico quando elogiou o Primeiro Comando da Capital (PCC) na ocasião dos crimes de maio de 2006: ele disse que o PCC deveria ganhar o troféu de empresa do ano e executivos como o Marcola deveriam dar aula às grandes empresas, já que tal organização conseguia proezas administrativas mesmo sendo comandada de ambientes completamente inóspitos como as cadeias e periferias.
O papel crucial dessa marginalidade já foi apontado também por Jacques Attali 161:
É sempre das margens que vêm os que perturbam e regeneram as formas. A própria ordem comercial, aliás, nasceu à margem dos grandes impérios, e a marginalidade está, ainda hoje, na origem de mercados econômicos e da ordem dos códigos. As idéias dos marginais nos períodos que antecedem as crises sempre participam do nascimento dos valores posteriores a ela. Assim, quando os marginais do anos 60 defendiam o direito de cada um a se educar e a cuidar de si mesmo, eles se constituíam, sem sabê-lo, nos melhores agentes de propaganda dessas futuras máquinas, das quais sequer suspeitavam a existêcia ou o papel que teriam na superação da crise econômica, no sentido propriamente econômico da palavra.
9.3 Inovação, controle e apropriação de movimentos sociais
Se a inovação no sistema capitalista surgiu sempre como algo inesperado e fruto das tensões do próprio sistema (lutas de classe, movimentos sociais diversos, convergência de grupos autônomos e assim por diante), hoje, no entanto, vemos que tal dinâmica de inovação tem passado por uma racionalização, de modo que a natureza do novo como originário do descontrole já foi identificada.
Conhecendo parte dessa dinâmica, surgem as estratégias de fomento de inovação, não apenas os programas já considerados mais “tradicionais” como os fundos de amparo à pesquisa, editais de convocação para produções culturais mas através da captura do novo oriundo dos próprios movimentos sociais, considerando aqui a conceituação de movimento social como a mais abrangente possível, isto é, fluxos de matéria e informação manipulados por pessoas, o que abarca tanto o Movimento dos Sem-Terra quanto usuários de uma comunidade online de publicação de fotografias ou mesmo o próprio tráfego de automóveis numa grande cidade.
Ao contrário dos fundos de amparo à pesquisa, que obedecem a lógica da produção acadêmica, a racionalização do processo de inovação em cima (de forma parasitária) dos movimentos sociais que é promovida pela iniciativa de mercado obedece duas regras:
- Deve-se encorajar o descontrole e o imprevisível para que as pessoas produzam novidades. Fomentar o descontrole, nesse sentido, significa reduzir o controle (e portanto poder) central da dinâmica social em questão e consequentemente aumentar o controle de cada pessoa (e portanto seu poder), de modo que a prospeção das novidades culturais seja, na medida do possível, realizada pelas próprias pessoas integrantes do movimento social, mesmo que elas não tenham noção disso.
- Deve existir um mecanismo de segurança que permita erradicar o descontrole caso este atinja proporções indesejáveis.
A primeira regra estabelece como o descontrole deve ser fomentado com uma redução do poder central, enquanto que a segunda pressupõe que deve haver um mecanismo que impeça o descontrole gerado por um poder descentralizado se tornar perigoso para a manutenção da ordem social.
É assim, por exemplo, que comunidades no Orkut de movimentos sociais não são apenas toleradas como encorajadas. Enquanto não ameaçam o status quo, delas se extrai produtividade – sua produção cultural, suas conexões sociais e tudo o mais que deixarem como marca indelével no banco de dados. Quando, no entanto, adquirir forma de incitação ou mesmo de sublevação, o sistema que hospeda é o mesmo que permite identificar e localizar fisicamente os/as insurgentes.
Alguns grupos, pessoas e movimentos acreditam que podem agir tal como uma bactéria e “infectar o sistema” com sua forma de atuação. Argumentam então que para isso é necessário também utilizar sistemas corporativos como o Orkut. Ao construírem tal metáfora, se esquecem contudo que, quando a infecção atinge proporções crônicas e epidêmicas, o hospedeiro costuma ingerir antibióticos. Da mesma forma, quando o descontrole e a agitação social atingem níveis perigosos e atentatórios, medidas de controle são tomadas. Portanto, se hoje os movimentos sociais que utilizam o Orkut não são por ele acossados, é simplesmente porque ainda não representaram dano significativo com o uso dessa ferramenta.
Mais do que sociedade do controle – onde gerentes e esquemas de vigilância constantemente coletam dados das pessoas e interferem nas suas vidas –, nos sistemas da Web 2.0 são as próprias pessoas que entregam suas informações: quem são, o que fazem, se são ou não ativistas, etc. O sistema não precisa necessariamente ir até as pessoas: elas já tem o comportamento de quebra de privacidade e de Open Source Intelligence (muito em voga inclusive no serviço secreto) internalizado. No caso, são as pessoas que vão até o sistema.
9.4 Retroalimentação e cibernética
Tais fenômenos de reação às lutas sugerem um papel de retroalimentação (feedback ou calibração) realizado pelos movimentos dentro do sistema produtivo. Em nossas análises, temos mostrado a importância da compreensão da retroalimentação nos fluxos de informação nas instâncias de controle social numa escala um pouco menor do que a da teia mundial de produção material.
No texto “O trabalho total e a captura do desejo”162, a retroalimentação é a peça-chave para fechar o elo entre clientes e empresas na apropriação destas últimas dos recursos dos primeiros:
.--> cliente --> feedback --> empresa -,
'------------ produto <----------------´
Numa outra oportunidade163, o circuito cultural foi fechado com a retroalimentação promovida pela nova configuração da indústria cultural, que fornece tanto bancos de dados de produções culturais não-industrializadas quanto um staff especializado na mobilização das pessoas no sentido de compartilharem sua produção:
------------------<--------------------
| |
instituições ---> projetos de inclusão digital ---> grupos ativistas ---> comunidades <------------|
financiadoras e produção cultural | (sociedade civil organizada) |
^ ^ | | |
| | --------> criação de produtos |
| ----<---- lobbystas atuando na | |
| captação de mais dinheiro <------------------------- manutenção de um grande |
| banco de dados de produção --->--
| cultural em licenças abertas
| |
| |
--------<-------------- indústria cultural <--------------------------------
Os fluxos nos mostram a acumulação de capital, informação, capacidade de controle, etc e eventualmente de propriedade privada (como efeito secundário, já que estamos focados apenas no conteúdo e no trabalho), enquanto que as retroalimentações atuam no sentido de equilibrar o sistema como um todo, mas ainda mantendo-o desigual.
Esses diagramas são muito esquemáticos e a realidade certamente é muito mais complexa, mas eles nos servem muito bem para explicar a manutenção de uma série de desigualdades sociais. De fato, o ramo da ciência dos sistemas dinâmicos que estuda esse tipo de relação é conhecida como teoria do controle e é muito aplicada no campo da cibernética.
9.5 Sociedade do controle
Neste ponto, convém invocarmos um trecho de Gilles Deleuze, contido no texto “Controle e devir”164:
É certo que entramos em sociedades “de controle”, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é com frequência considerado como o pensador das sociedades de disciplina, e de sua técnica principal, o confinamento (não só o hospital e a prisão, mas a escola, a fábrica, a caserna). Porém, de fato, ele é um dos primeiros a dizer que as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás, o que já não somos. Estamos entrando nas sociedades de controle, que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea. Burroughs começou a análise dessa situação. Certamente, não se deixou de falar da prisão, da escola, do hospital: essas instituições estão em crise. Mas se estão em crise, é precisamente em combates de retaguarda. O que está sendo implantado, às cegas, são novos tipos de sanções, de educação, de tratamento. Os hospitais abertos, o atendimento a domicílio, etc., já surgiram há muito tempo. Pode-se prever que a educação será cada vez menos um meio fechado, distinto do meio profissional – um outro meio fechado –, mas que os dois desaparecerão em favor de uma terrível formação permanente, de um controle contínuo se exercendo sobre o operário-aluno ou o executivo-universitário. Tentam nos fazer acreditar numa reforma da escola, quando se trata de uma liquidação. Num regime de controle nunca se termina nada. […] A cada tipo de sociedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de máquina: as máquinas simples ou dinâmicas para as sociedades de soberania, as máquinas energéticas para as disciplinas, as cibernéticas e os computadores para as sociedades de controle. Mas as máquinas não explicam nada, é preciso analisar os agenciamentos coletivos dos quais elas são apenas uma parte. […] É verdade que, mesmo antes das sociedades de controle terem efetivamente se organizado, as formas de delinquência ou de resistência (dois casos distintos) também aparecem. Por exemplo, a pirataria ou o vírus de computador, que substituirão as greves e o que no século XIX se chamava de “sabotagem”.
Ou seja: na era do controle, o paradigma maquínico é o do computador e o da cibernética, mas que apesar de emblemático é limitado e não explica toda a realidade dos agenciamentos coletivos, mas que em certo sentido não deixam de participar de tal tipo de dinâmica de poder.
Se as sociedades disciplinares são baseadas em confinamentos ou moldes, para Deleuze as sociedades de controle se baseiam na modulação, que aqui consideraremos como as sequências de tensão e distensão do controle e do descontrole, mencionada na nossa discussão precedente sobre inovação.
Aliás, as mudanças de paradigmas (de soberania para disciplina e desta para controle) podem ser encaradas como inovações. A adoção de um paradigma não anula a existência do anterior, da mesma forma como a sociedade de controle talvez não atinja toda a humanidade. Nas palavras de Deleuze165:
É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento: o controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão de guetos e favelas.
Aqui afirmaremos ainda mais: se, na época na qual Deleuze proferiu tais afirmações, o controle ainda não sabia como lidar com a explosão de guetos e favelas, nossa discussão contida na seção Centros e periferias parece indicar que o controle já sabe modular a periferia da sociedade para que esta gere inovações ao sistema. Ou seja, uma inovação da sociedade do controle.
O capitalismo é um sistema econômico e social que produz miséria e destruição. Ele é baseado no liberalismo, doutrina que prega a liberdade de mercado onde supostamente o egoísmo individual somado de todas as pessoas resultaria num bem-estar de toda a sociedade. Nem é preciso dizer que tal premissa é completamente equivocada uma vez que a miséria crescente fala por si própria, além do que o egoísmo aliado a desejos conflitantes entre pessoas só tende ao surgimento e afloramento de relações sociais assimétricas.
Se deixado a esmo, ou seja, se apenas houvesse liberdade de mercado e jamais tivessem surgidos iniciativas de estados-nação fortes (como no keynesianismo) ou mais recentemente em instâncias de controle como a OMC166 …, o capitalismo inevitavelmente entraria em regime de colapso, seja por escassez de recursos, seja por revoltas sociais.
Os mecanismos de regulação (ou modulação) da sociedade de controle começam a operar, portanto, na manutenção do sistema capitalista de modo que sua constante geração de desigualdades e acirramento de contradições não o destrua. Por exemplo, ora aumentando o desemprego (e consequentemente a miséria) de modo a diminuir os salários (e consequentemente aumentando os lucros da produção), ora diminuindo o desemprego para evitar sublevações que arriscariam a segurança do sistema.
A sociedade de controle opera, portanto, na constante modulação do par controle/descontrole e algumas observações devem ser feitas para que a compreensão do seu processo de funcionamento não seja mal compreendido.
Primeiro, que as instâncias de controle nem sempre operam o controle de forma racional e voluntária. De fato, hoje, a maioria delas é o resultado da modulação controle/descontrole do próprio sistema: a lógica liberal ocorre no sentido de aumentar o lucro com o aumento da exploração e das desigualdades. Estas, por sua vez, tendem a culminar em embates sociais (aumento do descontrole) que acabam ativando medidas para a diminuição de tais descontroles. É perceptível que hoje assistimos às origens de instâncias (principalmente nos bancos de dados) com objetivos racionais, voluntários e determinados de exercimento do controle social.
Em segundo lugar, é consequência do que foi dito na primeira observação que a condição básica da sociedade controlada é implicitamente de geração de descontrole. Jamais há equilíbrio (o que seria um sistema estático totalitário): o controle sempre gera descontrole, que será então controlado pelo processo de inovação do sistema, num processo que tende a ocorrer entre os múltiplos centros e as múltiplas periferias.
Em terceiro lugar, o controle nem é mais descentralizado, ele é distribuído, consequência imediata de que o capitalismo é baseado em iniciativas egoístas individuais: não há instâncias centrais de controle, o que já foi bem discutido no texto “Digital é controle”167. O controle não é uma instância externa, mas algo que constantemente mede as variáveis do sistema (sinal de entrada) e nelas faz ajustes para favorecer tendências – a probabilidade de ocorrência de determinados eventos – em detrimento de outras (sinal de saída). Da forma como ele é aqui conceituado, ele não consegue controlar todo o fluxo, mas apenas manipulá-lo.
Nenhuma instância de controle (seja um departamento, um banco, um governo, uma agência de regulação, etc) consegue assumir domínio total sobre qualquer fluxo, seja ele de capital, commodities, pessoas ou até mesmo das próprias informações. Sendo assim, o controle realizado por uma dessas instâncias só pode se efetuar a partir da manipulação dos fluxos que estiverem ao seu alcance, tendo resultados indiretos quando o fluxo é direcionado a uma massa de objetos ou pessoas e direto quando direcionado a objetos e pessoas específicas.
Em quarto e último lugar, vale a observação de Deleuze, que acredita que 168:
O controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua.
É certo que o controle seja de aplicação rápida, contínuo e de alta rotatividade, mas talvez não seja ilimitado ou indefinidamente ilimitado, o que veremos a seguir.
9.6 Há escape?
Tais considerações não nos levam a crer que quando há uma crise no capitalismo, parte da resposta para a crise tem surgido da própria luta contra o sistema social e no descontrole inevitável por ele gerado. Nesse sentido, os grupos ativistas e movimentos sociais tem se portado não apenas como opositores, mas involuntariamente e contra sua vontade como inovadores e indicadores do próximo passo que a sociedade como um todo deve tomar.
Seria o caso de afirmar que, com isso, praticamente tudo o que as lutas sociais produzem é apropriada pelo sistema capitalista. Se isso for verdade, cabe a seguinte pergunta: existirá o inapropriável? Existirá o elemento da luta e da inovação que não possa ser absorvido pelo sistema social capitalista?
Mesmo que um movimento que se bate não tenha possibilidades de vitória, seria ao menos possível que em sua derrota não fosse também espoliado com aquilo que lhe é caro e usado como correção dos desvios do sistema social?
Em outras palavras: haveria uma forma pela qual a retroalimentação promovida pelos movimentos sociais não fosse positiva169 [para o sistema] (no sentido de aumentar a tendência de acúmulo de capital e informação da maneira capitalista), mas sim negativa, ou seja, de enfraquecer o status quo?
Talvez seja o momento de voltarmos à nossa discussão inicial sobre o controle social170: existe um meio pelo qual o descontrole possa ser realmente incontrolável e não apenas temporariamente um descontrole detectável e passível de assimilação?
Para Deleuze, para cada máquina de dominação existem perigos passivos e ativos 171:
As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e, o ativo, a pirataria e a introdução de vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, mais profundamente, uma mutação no capitalismo.
Não podemos nos esquecer o importante resultado a que chegamos no texto “Digital é controle”172: mesmo as máquinas informacionais são suscetíveis à entropia, presente não apenas no processo de digitalização quanto na representação e simulação do sistema social. Ou seja, sempre há brechas.
Hoje ainda existe uma separação entre o menor nível de controle humano (o corpo) e o digital (computador), mas o rápido encaminhamento da integração do corpo à máquina pode destruir essa divisão. As pessoas monitoradas via satélite já são realidade, juntamente com aquelas que implantam sob suas peles circuitos de ativação via radiofrequência. Os bancos de dados sobre as pessoas, suas conversas e suas trocas tem aumentado consideravelmente.
A fusão do ser humano com a máquina só permitirá o encaminhamento da sociedade na direção do inalcançável controle total ou a próxima etapa do drama humano também terá suas próprias batalhas e possibilidades. Poderíamos continuar pensando se, com a fusão do cérebro humano com o ambiente computacional se chegaria por fim ao advento da consciência coletiva que suprimiria em definitivo a luta de classes e todos os conflitos sociais. Alternativamente, numa rede de pessoas mentalmente conectadas, prevaleceria a luta psíquica e a imposição das psicoses de um grupo social sobre toda a comunidade humana.
Pensar tão longe sobre tais condições extremas não faz muito sentido para a luta a médio prazo e para o que ainda está por vir enquanto ainda estamos vivos/as e em condições de agir. Também porque desejo e poder são duas coisas ainda pouco conhecidas, apesar de sempre presentes, mas que por sua névoa de mistério nos levam a análises de possibilidades com muitos equívocos. Fora isso, considerar que as lutas do futuro se concentrarão apenas num ambiente virtual é ignorar o fato de que nem todos/as estão ou estarão dentro do capitalismo informacional. Muitos/as permanecem fora dele, excluídos.
Para pensar no inapropriável é preciso, então, considerar não somente a fusão do corpo com a máquina como também a existência de ambos separados ou pouco conectados. O sistema disciplinar digital superpõe-se portanto ao tradicional, complementando-o. A polícia ainda estará na rua, mas também nas redes de dados.
O segundo aspecto que deve ser levado em conta é que, se o controle for instaurarado de forma muito truculenta, ele tem grandes chances de produzir o efeito contrário: a rebelião. O controle que permanecerá será aquele que vier desapercebidamente ou travestido de benesse, de inovação e de funcionalidade. O controle que ambiciona a totalidade deve ser sutil mas possuir um discurso forte.
É contra a captura das inovações sociais espontâneas (ou não gerenciadas) e o estabelecimento gradual de formas sutis e eficazes de controle que é preciso pensar no inapropriável e no incontrolável. Mas o que seriam? Onde encontrá-lo?
Da mesma forma como o controle total é inalcançável, talvez o inapropriável também o seja. Por isso, talvez a pergunta seja mais interessante que a própria resposta: independentemente do inapropriável ser ou não inalcançável, tal questionamento nos leva a questionar quais poderiam ser as características básicas tanto da luta social quanto da postura individual que violam as bases do sistema.
O capitalismo se fundamenta na acumulação e portanto na centralização e no controle. Portanto, tudo aquilo que operar no sentido do desacúmulo do controle, que operar na descentralização, na distribuição total e for autogestionado terá grandes chances de ser inapropriável.
9.7 O circuito se fecha
Neste ponto, tudo se entrelaça. Assim, a relação (talvez circular e finalmente tautológica) entre os conceitos que surgiram ao longo desses estudos pode ser estabelecida.
Controle e descontrole são faces da entropia e estabelecem os limites físicos sob o qual uma sociedade ser controlada de forma centralizada. No caso do capitalismo, seu controle básico opera no sentido de capturar a energia das pessoas em proveito próprio. Energia cujo aproveitamento é dado pela entropia do sistema e portanto sujeita a um limite. No caso do capitalismo cognitivo, tal captura é dada em última instância pela transofrmação de toda a energia disponível de uma pessoa em trabalho173, ou seja, trabalho total cuja consequência é a captura do seu desejo que pode ser utilizada para controlá-la, seja para lucrar em cima dos desejos (Open Source Intelligence a serviço do mercado), seja para coagí-la no caso de desobediência civil (Open Source Intelligence a serviço da segurança do sistema social).
O poder é algo que reprime mas que também cede e barganha: um poder execessivo que só se aplica pela repressão não tem condições de se perpetuar. Da mesma forma, mostramos que poder total e controle total são inviáveis, mesmo que sejam exercidos de forma distribuída.
Ou seja: por mais que haja um controle social constante, o descontrole também o será (excetuando cenários excessivamente totalitários, talvez). A administração do mundo e das pessoas é, portanto, limitada, o que não implica que níveis de controle social não possam aumentar cada vez mais. O constante avanço do trabalho total sobre todas as atividades humanas e a consequentes captura dos fluxos desejantes são demonstrações cada vez mais significativas da vontade de expandir o controle total.
Mas ora, se o próprio desejo de controle fosse capturado, se o controle total da sociedade fosse atingido de modo que a própria política e a guerra sucumbissem, estaríamos então a viver numa farsa, onde tudo já estaria previamente determinado.
Contudo, o descontrole sempre persistirá, pelo mesmo motivo que permite o estabelecimento da captura do desejo, do trabalho total como apropriação energética e do próprio controle. Nenhum desses totais é realmente totalizante e sempre há uma margem de escape, não importa o quanto ela se tornar cada vez menor. Mesmo assim o capitalismo trabalha hoje no sentido de diminuir cada vez mais essa margem através da busca constante por inovações, que por sua vez nada mais são do que o estabelecimento de controles num ambiente de descontrole com vistas ao acirramento do trabalho total e da captura do desejo. Teoricamente, o trabalho total pode ser atingido, basta uma troca de informação constante. No entanto, uma troca completa de informação não é possível, caso contrário haveria controle total do trabalho total. Resumidamente, podemos dizer que a farsa pode existir, mas ela nunca será uma farsa total e muito menos o fim da história.
O controle total dos processos naturais é impossível, mas não temos hoje como saber até que ponto a política e a própria sociedade possam estar próximas da farsa total.
.-<-- ruído <-.
' '. Controles e descontroles.
.--> controle <-> descontrole -------, O inapropriável é a quebra,
/ / colapso ou explosão da cadeia.
'------------ calibração <----------´
inovação
Ao menos é possível saber que algo que crie mais descontroles e que seja então mais inapropriável do que apropriável é extremamente necessário. Esse então é o limite da sociedade do controle e portanto o limite onde tanto a cibernética quanto a teoria do controle falham e onde dos descontroles podem emergir ruídos espúrios que quebrem, colapsem ou explodam a dinâmica do controle.
Ou, como nas palavras de Deleuze174,
Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaço-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos.
Se a cibernética, ciência da calibração (diminuição do descontrole da saída a partir do feeback negativo como ajuste da entrada e do processamento interno), já se encontra num atual esgotamento de possibilidades para sanar a necessidade de manutenção da sociedade de controle, hoje as ciências da complexidade, tendo como principal estandarte a teoria do caos, atuam no estabelecimento de calibrações, determinações e filtragens inclusive no ruído175. De modo que a batalha em busca do inapropriável tende a ser encampada como um caleidoscópio das batalhas anteriores176; mas, desta vez não mais dentro do controle/descontrole na acepção cibernética, mas sim na nebulosidade do ruído177.
References
Elaborada a partir da versão original de 14/11/2008, cuja cópia encontra-se em https://sarava.fluxo.info/Estudos/Inapropriavel.↩︎
O Novo Espírito do Capitalismo – Boltanski e Chiapello (2002); Boltanski e Chiapello (2007).↩︎
The Flexible Personality: For a New Cultural Critique – Holmes (sd); Holmes (2002); Saravá (sd).↩︎
À época, foi adotada uma convenção de linguagem inclusiva ou neutra que talvez hoje não seja a mais adequada, mas por questões históricas ela foi mantida (Nota do Editor).↩︎
“A partir do estudo, foi possível perceber que 88% delas indicaram que o papel das lideranças e os sistemas de avaliação de desempenho, reconhecimento e promoção adotados atuam como fatores restritivos à inovação nas organizações.” in “Cultura de Inovação” – Carvalho e Marino (sd).↩︎
Originalmente uma nota marginal mas, dado o seu tamanho e pela falta de espaço na versão para impressão, foi movida para o corpo do texto (Nota do Editor).↩︎
Devemos, por sinal, centralizar o conceito de periferia ao mesmo tempo que periferizamos o conceito de centro: os centros estão em toda parte (de fato, mesmo nas periferias existem delegacias de polícia, apenas para um breve exemplo), da mesma forma que a periferia se encontra até no centro. Esses conceitos devem ser entendidos à luz dos fluxos de entropia, controle e descontrole social.↩︎
Como diria Platão, “a necessidade é a mãe da invenção. Citação curiosa: Platão, hoje, representa o velho e apesar disso consegue articular com o novo. Ou, de outra forma: mesmo o velho, se mantido desconhecido para alguns, continua sendo novo (Adendo do Editor: tal ditame sobre maternidade da inventividade não viria de Platão – ele nem mesmo teria escrito originalmente desta maneira. A passagem em questão vem do Livro II da República, trecho 369c, que em Plato (1991b) está traduzido como”a verdadeira criadora é a necessidade, que é a mãe da nossa necessidade”, mas cujo original – disponível em Plato (1903) – “ποιήσει δὲ αὐτήν, ὡς ἔοικεν, ἡ ἡμετέρα χρεία” é melhor traduzido em Plato (1991a) e Plato e Kirsch (2016) como “nossa necessidade, ao que parece, é que o fará”).↩︎
Vide, por exemplo, textos de dois apologistas da inovação periféria (mas com intenções de renovação da indústria cultural e dos modelos de negócios): “Manifesto de Hermano Vianna” – Vianna (2006); Saravá (2008b) – e “Centros, Periferias e a Propriedade Intelectual” – Lemos (2008); Saravá (2008a).↩︎
Originalmente uma nota marginal mas, dado o seu tamanho e pela falta de espaço na versão para impressão, foi movida para o corpo do texto (Nota do Editor).↩︎
Originalmente uma nota marginal mas, dado o seu tamanho e pela falta de espaço na versão para impressão, foi movida para o corpo do texto (Nota do Editor).↩︎
Veja por exemplo o texto “Innovate, Innovate - the Mantra of the Uncreative Class”, Heartfield (2008).↩︎
Originalmente uma nota marginal mas, dado o seu tamanho e pela falta de espaço na versão para impressão, foi movida para o corpo do texto (Nota do Editor).↩︎
Originalmente uma nota marginal mas, dado o seu tamanho e pela falta de espaço na versão para impressão, foi movida para o corpo do texto (Nota do Editor).↩︎
Pessis-Pasternak e Attali (1993) pág. 178; não é à toa que, em seu livro, Pessis-Pasternak intitula Jacques Attali de “prospector de horizontes”.↩︎
“Post-scriptum sobre as sociedades de controle”, em Deleuze (1992b) pág. 224.↩︎
Organização Mundial do Comércio, ou WTO – World Trade Organization (Nota do Editor).↩︎
Ou, explicando de outro ponto de vista, haveria uma maneira dos movimentos sociais pararem de oferecer uma retroalimentação ao sistema que opere no sentido de neutralizar os próprios movimentos? (Nota do Editor)↩︎
Considerando aqui o conceito de trabalho não apenas do ponto de vista físico mas também e sobretudo econômico e sociológico.↩︎
A idéia de ordem pelo ruído está presente desde pelo menos Henry Atlan.↩︎
“Crisis management in an overly complex and open situation becomes very difficult, and that difficulty is obvious when listening in on the conversations of global elites. Which is where we return to the beginning: it seems that the power of those who control the present has unravelled to such an extent that the future once again appears unwritten, probably in a way that it hasn’t been since the 1970s”, in “Today I See The Future” – Turbulence (2008); Saravá (2008d).↩︎
Em parte essa mudança pode, no contexto das máquinas, representar uma expansão da megamáquina capitalista na direção de uma relação de abertura e fechamento pós-cibernética e já mais próxima da organização ativa. ‘Ora, é nos sistemas fundados sobre a reorganização permanente que a desordem é “desviada”, captada (a desorganização tornando-se um componente da reorganização), sem ser entretanto reabsorvida nem excluída, sem que ela tenha cessado de trazer em si sua fatalidade de dispersão e de morte’, in Morin (2005) pág. 167; sobre a diferença entre máquinas vivas e artificiais, ver págs. 240-243. O Open Source, o Open Innovation e a Open Intelligence representam esse novo aspecto de abertura e fechamento.↩︎